segunda-feira, setembro 27, 2010

O outono da cidade




Chega o Outono à cidade, vejo-o através da janela do meu esconderijo diurno.

Embalado pelo ríspido latejar das janelas, sinto uma incontrolável vontade de o abraçar, um entusiasmo quase pueril que me apressa em transpor a porta de segurança para a rua.

Caminho com um sorriso fixado que não sei explicar mas que me limito a saborear. Observo o que me rodeia.

O frio envolve lentamente Lisboa por entre as esquinas de cada avenida, por entre o fumegar de um cigarro e o entrelaçar de um cachecol improvisado. O escurecer tem outro peso, anunciando o fim do dia com gravidade, acordando-nos para o mundo que vive lá fora, mais luminoso mas também mais discreto atento o maior peso de cada movimento, escolhido sob um critério apertado e exigente.

Vejo almas jovens, rotinas robotizadas, andares decididos e passos perdidos. A boca de uma mulher de meia-idade trava um solilóquio improvisado num banal café, inalando lentamente um cigarro. Esta imagem prende a minha atenção enquanto sigo focado no meu destino.

Estas são as imagens que esta cidade alimenta, devoradora nos seus sentidos, manipuladora no seu querer. Esta cidade faz-nos querer chamá-la de nossa, de lhe sentir a vertigem. O seu canto não nos deixa indiferente, nem aos mortos-vivos que nela abundam como a mulher amorfa que vi. A cidade, caprichosa, devolveu-lhe ingloriamente todos os desejos e expectativas que nela havia depositado, lançando, sem pudor, a seta da frustração e desilusão.

Vislumbrei outros rostos que reflectiam sucesso, luta e glória mas tenho de confessar que continuo sem conseguir esquecer a beleza melancólica daquele bafejar dorido e lento...

O Outono chegou à cidade.

1 comentário:

Alguém!... disse...

Por muito que se diga que o Outono é uma estação melancólica, e, portanto, triste, é o cair das folhas folhas velhas, que permite, na Primavera seguinte, as árvores exibirem folhas novas e verdes.
É uma estação de renovação, que antecipa uma nova vida.
Por conseguinte, cada "pequena queda" dever ser apreciada com os mais concentrado deleite. Afinal, é essa queda que permite um novo nascimento!