
Chega o Outono à cidade, vejo-o através da janela do meu esconderijo diurno.
Embalado pelo ríspido latejar das janelas, sinto uma incontrolável vontade de o abraçar, um entusiasmo quase pueril que me apressa em transpor a porta de segurança para a rua.
Caminho com um sorriso fixado que não sei explicar mas que me limito a saborear. Observo o que me rodeia.
O frio envolve lentamente Lisboa por entre as esquinas de cada avenida, por entre o fumegar de um cigarro e o entrelaçar de um cachecol improvisado. O escurecer tem outro peso, anunciando o fim do dia com gravidade, acordando-nos para o mundo que vive lá fora, mais luminoso mas também mais discreto atento o maior peso de cada movimento, escolhido sob um critério apertado e exigente.
Vejo almas jovens, rotinas robotizadas, andares decididos e passos perdidos. A boca de uma mulher de meia-idade trava um solilóquio improvisado num banal café, inalando lentamente um cigarro. Esta imagem prende a minha atenção enquanto sigo focado no meu destino.
Estas são as imagens que esta cidade alimenta, devoradora nos seus sentidos, manipuladora no seu querer. Esta cidade faz-nos querer chamá-la de nossa, de lhe sentir a vertigem. O seu canto não nos deixa indiferente, nem aos mortos-vivos que nela abundam como a mulher amorfa que vi. A cidade, caprichosa, devolveu-lhe ingloriamente todos os desejos e expectativas que nela havia depositado, lançando, sem pudor, a seta da frustração e desilusão.
Vislumbrei outros rostos que reflectiam sucesso, luta e glória mas tenho de confessar que continuo sem conseguir esquecer a beleza melancólica daquele bafejar dorido e lento...
O Outono chegou à cidade.